Reflexões de uma Semana de Africanidades

Ivo Fernandes • 23 de novembro de 2024

A Urgência da Educação Antirracista nas Escolas

Nesta última semana, vivi uma experiência transformadora. Como coordenador de uma escola pública de ensino médio integral com mil alunos, tive a honra de coordenar a Semana de Africanidades . Apesar de todos os desafios, posso afirmar que foi um sucesso. Mais do que isso, foi uma semana de intenso aprendizado — não apenas para os alunos, mas para todos nós, educadores e membros da comunidade escolar, que nos permitimos aprender.


A experiência deixou claro algo que já sabemos, mas que a prática muitas vezes não reflete: ainda há muito a ser feito para que o ensino da história e cultura afro-brasileira se torne, de fato, uma realidade no cotidiano escolar. Embora a Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade desse ensino, tenha sido aprovada há mais de duas décadas, sua aplicação nas escolas de ensino fundamental e médio enfrenta ainda resistências e lacunas.


A Urgência da Educação Antirracista


Essa urgência se torna evidente quando observamos os desafios do "chão da escola". Preconceitos e práticas racistas não são raros; pelo contrário, muitas vezes estão enraizados nas relações cotidianas. Um dos maiores desafios é desconstruir nos nossos jovens — especialmente aqueles ligados a algumas tradições religiosas, como os cristãos — preconceitos que demonizam as religiões de matriz africana. A associação destas com o "mal" ou com ideias diabólicas revela o quanto precisamos avançar no combate à intolerância religiosa.


Mas o desafio não para aí. Quando uma vítima de preconceito revive na mesma moeda, atacando também a religião do outro, vemos o quanto é difícil manter a harmonia e a mediação de conflitos. Os professores, por sua vez, nem sempre estão preparados para lidar com essas questões. Alguns ainda carregam preconceitos que reforçam estereótipos, esquecendo que sua missão é a de mediadores de um mundo melhor — e não perpetuadores de discriminação.


Ainda há uma linguagem de preconceito naturalizada, o chamado “racismo recreativo”, que transforma piadas e comportamentos indevidos em armas que ferem a dignidade do outro. Quando os alunos reagem com essas atitudes, muitas vezes são vistos como errados, mas é preciso combatermos a raiz desse comportamento, que entre elas está a injustiça social.


A Escola como Espaço Antirracista


A escola, por sua natureza, precisa ser antirracista . E isso não pode se limitar a um evento específico, a uma iniciativa de um coordenador ou professor. Ser antirracista deve ser uma missão de cada educador. Essa postura precisa estar entranhada no DNA da escola, orientando não apenas as práticas pedagógicas, mas todas as relações que acontecem dentro e fora de seus muros.


Eu não me esquivo dessa luta. Sempre que vejo algo que fere a dignidade humana, que demoniza a liberdade do outro de ser quem é, sinto que é meu dever agir. Faço isso em todas as áreas em que atuo — na teologia, na filosofia, na psicanálise e na educação. Para mim, é uma só luta, travada em múltiplos espaços.


A Capacidade dos Alunos: Respeito e Liberdade


Ao final da Semana de Africanidades, saio com uma certeza renovada: nossos alunos, em sua maioria pobres, pretos e periféricos, são capazes de muito. São produtores de conhecimento , de arte e de cultura. O que falta a eles não é talento, mas respeito, afeto, possibilidades e liberdade para existirem e aprenderem.


O que vi nesta semana foi a prova de que, quando damos essas condições, eles superam expectativas e mostram o poder transformador da educação.


A Esperança de um Educador


Como seguidor do Nazareno, faço a opção pelos que estão à margem. Escolho lutar por justiça, mesmo sabendo que isso pode trazer consequências difíceis. Mas me sustento na esperança da mensagem que diz que os que amam a justiça serão recompensados.


Se ao final desta jornada apenas um aluno teve sucesso, terá valido a pena. Afinal, cada vida transformada é uma vitória contra o preconceito e um passo em direção a um mundo mais justo e humano.



Que possamos seguir firmes nessa missão, com a certeza de que a educação é uma ferramenta poderosa para mudar vidas e redefinir espaços.


Ivo Fernandes

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