Amigos, amantes ou nenhum dos dois?

Ivo Fernandes • 26 de outubro de 2024

A Complexidade dos Laços Humanos

Hoje, enquanto estudo psicanálise, me aventuro a escrever sobre algo que anda movimentando as redes e as rodas de conversa dos noveleiros: a relação entre Mavi e Iberê, personagens da novela “Mania de Você”. O público se vê dividido entre aqueles que torcem por um romance entre os dois e aqueles que estranham o laço afetivo entre eles. O ponto interessante aqui é que essa indefinição revela não apenas os tabus em torno da afetividade masculina, mas também como, ainda hoje, a sociedade se esforça para encaixar relacionamentos em rótulos bem estabelecidos, seja pela necessidade de definir uma orientação sexual ou pela nossa resistência em aceitar o afeto sem um cunho sexual.

A primeira questão que se destaca é justamente a nossa dificuldade em conceber laços profundos entre dois homens sem os rotularmos. Essa resistência ao afeto sem cunho sexual entre pessoas do mesmo gênero é mais evidente em gerações anteriores, que, ao longo da vida, foram educadas sob um padrão binário e rígido. Curiosamente, ao observar adolescentes e jovens nas minhas aulas, percebo que relações afetivas intensas e descomplicadas entre amigos são cada vez mais comuns e aceitas. Isso demonstra uma transformação gradual, onde os jovens estão mais confortáveis ​​em expressar afeto sem a necessidade de dar a isso uma definição sexual.

No entanto, na nossa sociedade, há uma tendência ainda forte de querer encaixar todas as pessoas dentro de categorias pré-definidas. O que foge a esses padrões gera desconforto, e a forma mais comum de lidar com isso é “resolver a charada”, buscando uma explicação que se encaixe nos estereótipos que conhecemos. A relação entre Mavi e Iberê é um exemplo interessante dessa situação: pode ser que os autores da novela decidam revelar a homossexualidade de um deles, a bissexualidade, ou mesmo uma relação de “broderagem” — ou talvez nada disso aconteça, e eles continuem como são até agora: apenas amigos. E, para o desconforto de alguns, talvez seja preciso aceitar que isso é tudo o que há.

Outra questão que fica evidente é a nossa necessidade de rotular a orientação sexual dos outros. É uma necessidade tão forte que, até hoje, pessoas bissexuais, por exemplo, enfrentam preconceitos de todos os lados, como se fossem indecisas ou confusas sobre sua própria identidade. A sexualidade humana é muito complexa para caber em caixinhas tão limitadas, e nossa resistência em aceitar essa amplitude é um reflexo tanto das amarras morais da sociedade quanto de nossos próprios conflitos internos. Quando nos esforçamos para definir a sexualidade do outro, o que isso revela, na verdade, são as nossas próprias inseguranças e medos. A necessidade de ter certeza sobre a orientação alheia é uma vergonha da nossa dificuldade em compreender a vastidão e a fluidez da sexualidade humana.

Vale lembrar que existe uma diferença entre comportamento, desejo e percepção de si. O comportamento diz respeito ao que fazemos ou deixamos de fazer; o desejo, ao direcionamento dos nossos impulsos; e a percepção de si, à forma como nossa mente se organiza em relação a essas questões. Entre esses três aspectos, há inúmeras possibilidades, que vão muito além dos rótulos de heterossexual, homossexual ou bissexual. Como seres humanos, somos, por vezes, contradições ambulantes, uma mistura de vontades, desejos e comportamentos que nem sempre se enquadram nos padrões estabelecidos. Ninguém é definido por uma única experiência ou desejo; nossa identidade é muito mais ampla do que qualquer rótulo pode abarcar.

Outro ponto importante é a nossa dificuldade em lidar com a manifestação do afeto. A sociedade costuma erotizar de forma excessiva o desejo e os afetos, o que é uma visão limitada da natureza humana. Somos seres carentes de afeto e, muitas vezes, precisamos nos cegar para suportar a sua falta. Confundir afeto com desejo sexual é empobrecer nossa compreensão sobre os laços humanos e reduzir a riqueza de nossas conexões em um único tipo de relacionamento.

A relação entre Mavi e Iberê, tão cheia de afeto, mexe com o nosso imaginário e acaba revelando nossos próprios desejos, medos e preconceitos. Em vez de tentarmos definir a orientação sexual dos personagens, talvez seja mais produtivo refletir sobre nossas próprias projeções e expectativas. Afinal, ao analisar a vida dos outros, muitas vezes acabamos descobrindo mais sobre nós mesmos do que imaginávamos. Que tal, então, deixar que o outro fale por si e aceitar que nem tudo precisa ser rotulado?

Ivo Fernandes

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