Professor feliz não faz pérolas
“São os que sofrem que causam a beleza, para parar de sofrer”

Estava em trânsito quando recebi um convite para falar com professoras e professores durante uma semana pedagógica de uma escola. Eu ainda estava trabalhando em outra palestra, cujo tema seria resolução de conflitos. Mas, junto ao convite, veio a informação de que o objetivo da nova palestra era mais motivacional.
Naquele momento, minha mente se encheu de ideias. De um lado, a responsabilidade de falar sobre resolução de conflitos; de outro, o desafio de motivar. Grandes desafios! Como professor, sei que não é fácil falar sobre nenhum desses temas, pois, muitas vezes, quem nos aborda parece desconhecer a realidade da sala de aula. São palestras que ficam tão distantes que acabam por desmotivar. E, então, surge o verdadeiro desafio: como motivar professores?
Voltei-me, então, para minha própria trajetória. Há mais de 20 anos na profissão, já passei por fases de encantamento e de desencantamento. Já dei o meu melhor e também já me privei de fazê-lo. Dois fatores, porém, sempre acompanharam minha jornada: o fato de ser psicanalista e filósofo. Como psicanalista, mantenho-me em constante análise e autoanálise, o que me permite revisar meu caminho, tanto como pessoa quanto como professor. E, como filósofo, sou um amante da verdade e da beleza, buscando-as em todos os lugares, principalmente no espaço escolar.
Foi durante uma dessas reflexões que me lembrei da obra de Rubem Alves, Ostra feliz não faz pérolas , e assim surgiu o tema da palestra. Logo no início do livro, há uma frase que me marcou profundamente: “São os que sofrem que causam a beleza, para parar de sofrer”. E nós, professores, conhecemos bem os desafios e as dificuldades da profissão. Quantas vezes já ouvi a expressão "professor sofre"? E esse sofrimento tem muitas causas: sobrecarga de trabalho, salários incompatíveis, instabilidade profissional, conflitos em sala de aula, desafios ideológicos, desentendimentos com colegas e, muitas vezes, com os pais.
A grande pergunta que surge é: se sofremos, o que fazemos com esse sofrimento? Muitos de nós o transformamos em lamento e consentimento, levando-o para casa ou para a sala dos professores, onde, em conversas, encontramos catarse. Esse ambiente, por vezes, se torna um espaço de desabafo e de reclamações. Participar dessas conversas nos faz perceber que estamos infelizes – seja com a profissão em si, seja com as condições que a envolvem.
No entanto, uma verdade precisa ser dita: não há como ser professor sem enfrentar problemas, sem passar por desafios, sem sofrer. Mas a proposta aqui é outra: não se trata de eliminar o sofrimento, mas de transformá-lo. Podemos, sim, extrair beleza dessa condição. E isso não é só possível, como também acontece com muitos de nós. São esses que transformam a dor em algo maior que se tornam os professores mais admiráveis.
O que seria de nós sem o sofrimento? No entanto, é preciso evitar romantizar a dor. Sempre buscamos formas de nos livrarmos dela. Mas acreditar que transformar o sofrimento em sinceridade constante não é o melhor caminho. Escolhemos essa profissão, somos competentes, e podemos, sim, superar a nossa dor e, ainda assim, produzir excelência.
Somos como os antigos gregos, que não se entregaram ao pessimismo. Acreditamos no que fazemos, acreditamos no poder da educação, no ato de ensinar. Temos a capacidade de transformar tragédia em beleza. Não resolveremos todos os problemas da educação, mas somos criativos. Somos artistas no que fazemos.
Nossa felicidade reside na produção de beleza, na criação de pérolas em meio aos desafios. Deveríamos ser sempre reconhecidos por isso. Fico sempre encantado ao ver o trabalho das professoras e professores da educação infantil – quanta dedicação, quanta luta e quanta beleza! Sim, são elas que produzem pérolas.
Assim como Rubem Alves, fui pastor protestante por alguns anos. Dei aulas de teologia em seminários e faculdades, mas nunca consegui ser um doutrinador – era poeta demais para isso. Foi na sala de aula que descobri a possibilidade de fazer do meu ensino uma arte. E, para que essa arte seja completa, todos deveriam pensar assim. Enquanto isso não acontece, continuamos a contornar a dor e produzir pérolas.
Falei das professoras e professores da educação infantil, mas penso também naqueles que trabalham com alunos que estão prestes a ingressar no ensino superior, lidando com a pressão dos vestibulares. Como são grandes os desafios de lidar com jovens que têm mil interesses, mas que precisam também focar nos estudos. Como fazer um jovem amar o ensino? Amar uma sala de aula? Professores apaixonados despertam a paixão nos alunos. Mas essa paixão não pode ser apenas pelo conteúdo que ministramos. O professor precisa amar sua sala de aula e, acima de tudo, precisa amar seus alunos.
Em uma palestra anterior, citei uma frase de Carl Gustav Jung que também é muito relevante para nós, professores: "Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." Isso se aplica tanto a psicanalistas quanto a professores. Não podemos amar apenas o conteúdo que ensinamos. Não podemos nos preocupar apenas com o conteúdo. Pérolas nascem quando nos preocupamos com o aluno real, com o sujeito que tem nome e história. Quando conseguimos tocar essa pessoa, o resto se torna muito mais fácil.
Professores que produzem pérolas são aqueles que transformam sua dor em empatia, e preocupação pelo outro. E, se as escolas querem produzir mais pérolas, também precisam se importar com a dor dos professores.
Nada do que digo aqui é para gerar comparações entre professores. Ser o melhor não é ser maior que o outro. Aqueles que desejam ser maiores que os outros, na verdade, diminuem a si mesmos. A ostra que faz a pérola não a produz para se gabar diante das outras ostras, mas sim para lidar com sua própria dor.
Esse é o caminho que trilho: transformo minha dor em beleza. Se contar minha história completa, você entenderá isso ainda mais claramente. Mas aqui, falo apenas da parte em que sou professor e transformo minha dor em beleza. Sei que vocês também o fazem.
Quero lembrar que nenhum de nós chegou onde está por acaso. Nossa trajetória foi marcada por lutas e desafios. Somos um corpo de profissionais que nunca para de aprender, de evoluir. Somos essenciais. Somos mais do que professores. Somos homens, mulheres, pessoas com histórias que vão além da sala de aula. Com maestria, separamos nossas dores para oferecer o melhor de nós. Nossas aulas são pérolas. Quando subimos no palco da sala de aula, fazemos o show acontecer. E é nesse palco, repleto de desafios, que nossa arte floresce. Ali, nascem as belezas das nossas aulas.
Motivar um professor é lembrá-lo de quem ele é e de sua importância. Munidos de verdade, somos capazes de transformar tudo em beleza.
Professores, com todos os seus desafios, produzem pérolas.
Ivo Fernandes