O Amor e a Falta: Uma Oração Filosófica
uma prosa poética

Deus, que é o amor? Ensina-me a amar. Não o amor que transforma o outro em objeto, em posse, em reflexo do meu desejo. Ensina-me a distinguir o amor do desejo, pois o desejo é impulso, força que empurra, enquanto o amor, tantas vezes, é desvio — decisão que escolhe ficar, mesmo quando seria mais fácil partir.
Desejo é fogo. Amor é chama que se cuida. O desejo quer preencher. O amor aprende a conviver com o vazio. Ensina-me a amar alguém como ele é — singular, inteiro, diferente de mim. Ensina-me a respeitar a diferença sem desejar anulá-la, sem buscar moldá-la à minha imagem. Livra-me da fantasia de completude, do sonho de que o outro veio ao mundo para tapar os furos da minha alma.
Amar é caminhar lado a lado, sem fundir-se, sem desaparecer no outro. É manter-se dois, mesmo de mãos dadas — pois até as mãos entrelaçadas deixam espaço entre os dedos. E é nesse espaço que mora o movimento, a dança, a respiração do amor. O amor só vive onde há espaço para o ser.
Ensina-me, ó Deus, que amar não é exigir, cobrar, dominar. É, antes, suportar. Suportar a falta que me constitui, suportar a falta que habita no outro. O que eu preciso talvez o outro não tenha para dar. E o que o outro clama, talvez não esteja em mim. Ainda assim, que haja encontro. Que haja partilha. Que haja caminho.
Ensina-me a amar sem pressa. A não desistir ao primeiro tropeço. A buscar, a construir, a insistir — não por carência, mas por escolha. Ensina-me a fazer do amor uma arte cotidiana. Que eu saiba manter a chama, não com promessas vãs, mas com gestos simples: uma música no fim do dia, um jantar improvisado, uma palavra que acalma, um toque que reacende o desejo.
Ensina-me a provocar sem dominar, a desejar sem devorar, a permanecer sem prender. Ensina-me a ser — e a ser com o outro. Que o amor não me roube de mim, nem me afaste do outro, mas me ensine a tecer vínculos onde ainda há espaço para o encantamento.
Que eu aprenda a amar com maturidade. Pois o amor não é coisa de crianças — e enquanto mantivermos a lógica infantil da exigência e da fusão, continuaremos apenas a desejar. Amar é para os que suportam esperar, dialogar, perder e recomeçar. É para os que aceitam o mistério do outro sem querer decifrá-lo inteiro.
Deus nos livre de fazer do outro nosso ídolo de completude. Deus nos guarde do desejo de fusão que mata. E nos ensine a amar com liberdade, com poesia, com presença. Que eu aprenda, enfim, que amar é arte — e é trabalho. Que amar é escolha — e é entrega. E que a beleza do amor está, justamente, em nunca ser tudo, mas em ser o suficiente para que ainda valha a pena tentar.
Ensina-me a amar. Ensina-me a continuar.
Ivo Fernandes