Como Crer num Deus que Não é Fiel a Mim?

Ivo Fernandes • 24 de fevereiro de 2025

Quando Deus nos Decepciona

A primeira vez que me deparei com o tema "decepção com Deus" foi através dos livros de Philip Yancey. Eu era um adolescente e esse encontro foi fundamental para minha evolução espiritual e amadurecimento da minha fé. Ele me ajudou a ter uma fé que não enfrenta tanto essa decepção, no entanto, enquanto ministro de fé e, depois, como psicanalista, vi que a decepção com Deus é uma experiência mais comum do que admitimos.


Orações sem respostas. Dores não curadas. Sofrimentos que não passam. Onde está Deus quando nada parece dar certo? A dor da espera, a angústia do silêncio divino e o choque entre nossas expectativas e a realidade frequentemente nos fazem questionar: Deus é fiel?


Philip Yancey, em seu livro Decepcionado com Deus, levanta três perguntas essenciais que ecoam no coração de muitos:


Deus é injusto?

Deus está calado?

Deus está escondido?


Estas questões revelam o grande dilema da fé: como continuar crendo quando Deus parece ausente ou infiel?

Frequentemente, projetamos em Deus um conceito de fidelidade baseado na nossa lógica humana: se Ele me ama, então evitará meu sofrimento. Se Ele é justo, então minhas dores devem ser recompensadas. Mas essa visão limita Deus ao nosso entendimento e ao nosso tempo.


A fidelidade de Deus está presente nos textos bíblicos, mas esse Deus fiel nem sempre é previsível. Duas histórias se destacam no Antigo Testamento: Abraão e, especialmente, Jó. Em Jó, vemos um homem íntegro que sofreu intensamente sem uma explicação clara. No Novo Testamento, o próprio Jesus, no momento mais crítico, clamou: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mt 27:46).

Por esses exemplos, podemos dizer que a fidelidade de Deus não é medida pela ausência de dor e nem pela sensação de Sua presença. É crer contra a esperança!


Nosso problema com Deus não é Sua ausência, mas Seu tempo. Queremos respostas imediatas, mas Deus não está preso ao tempo – Ele simplesmente É.


A fidelidade de Deus não pode ser avaliada pelo agora, pois Ele opera numa perspectiva eterna. O tempo humano é marcado por urgências, expectativas e finitude, mas Deus age no infinito, onde passado, presente e futuro coexistem.

Quando olhamos para Abraão, vemos um homem que esperou anos por uma promessa e, mesmo assim, precisou crer contra a esperança (Rm 4:18). Sua fé não estava na certeza de uma resposta rápida, mas na fidelidade de um Deus que existe para além das limitações humanas.


Dentro do Caminho do SER, não buscamos um Deus que funcione como uma equação previsível. Não cremos em um Deus que apenas atende às nossas demandas, mas em um Deus que nos convida a uma jornada de transcendência.

Deus não é fiel dentro das certezas religiosas. Ele não cabe em dogmas rígidos. Sua fidelidade não está naquilo que podemos prever, mas na experiência contínua de transformação e no mistério do caminhar.


Nossa comunidade é plural e diversa, justamente porque entendemos que a fidelidade divina não se manifesta de um único jeito, mas em amor, graça e liberdade. A presença de Deus não é algo para ser aprisionado em definições, mas algo que experimentamos ao longo da vida, na comunhão, no servir, na arte, na reflexão e no próprio Caminho.



Para compreender a fidelidade de Deus, precisamos nos desfazer da ilusão de que Ele nos fez promessas individuais e personalizadas, como se houvesse um contrato firmado entre Deus e nós, garantindo que tudo ocorrerá como desejamos. Deus não assinou esse contrato.


📖 Isaías 46:10 “Desde o princípio anuncio o que há de vir; desde a antiguidade, o que ainda não aconteceu. Eu digo: Meu propósito permanecerá em pé, e farei tudo o que me agrada.”
📖
Efésios 1:9-10 “E nos revelou o mistério da sua vontade, de acordo com o seu bom propósito que ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos.”


Isso significa que Deus não se move segundo meus planos individuais, mas segundo Sua vontade soberana para a história. Isso não quer dizer que Ele não se importa comigo, mas significa que Ele não é obrigado a agir conforme meu querer.


Se Deus fosse fiel a cada desejo nosso, Ele não seria Deus – seria um gênio da lâmpada. A fidelidade de Deus não é para cumprir nossos planos, mas para cumprir Seu propósito maior.


Se Deus não me deve nada, se Ele não assinou um contrato comigo, como confiar?
A resposta está na
relação e não na troca.


📖 Romanos 8:28 “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.”


Se Deus não me fez promessas individuais, posso confiar que Ele está agindo na história, mesmo que eu não veja.
Se Deus
não garante que serei poupado da dor, posso confiar que Ele caminha comigo na dor.
Se Deus
não está preso à minha vontade, posso confiar que Seu propósito é maior do que o que eu compreendo.

A fidelidade de Deus não é medida pelo que recebemos dEle, mas pelo que Ele é. O desafio é esse: confiar não porque Deus é fiel a mim, mas porque Ele é fiel a Ele mesmo – e isso é suficiente.


📖 Hebreus 10:23 “Guardemos firme a confissão da nossa esperança, porque fiel é o que prometeu.”

Você consegue crer num Deus assim?


Ivo Fernandes
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