Donald Trump e o legado de Martin Luther King Jr.

Ivo Fernandes • 21 de janeiro de 2025

retórica de unidade em meio à exclusão

No dia 20 de janeiro de 2025, Donald Trump proferiu seu discurso de posse, coincidentemente na mesma data em que se celebra o Dia de Martin Luther King Jr. Trump tentou associar sua liderança ao legado do ícone dos direitos civis, prometendo " realizar o sonho" de King. No entanto, ao analisarmos o conteúdo do discurso, o contraste entre as palavras de Trump e os princípios de King se torna inegável. O discurso é repleto de exaltação nacionalista, meritocracia seletiva e políticas de exclusão, que contradizem diretamente os valores de igualdade e justiça que King defende.


A retórica de unidade: entre a inclusão simbólica e a exclusão prática


Trump afirmou que sua vitória presidencial representava uma união nacional sem precedentes, com apoio de todos os grupos sociais, incluindo negros e hispânicos. Ele agradeceu explicitamente a essas comunidades pelo "amor e confiança" demonstradas em seu voto, enquanto prometia lutar por elas. Contudo, essas palavras são vazias quando colocadas lado a lado com suas políticas anunciadas no mesmo discurso.


A declaração de emergência na fronteira com o México, a promessa de deportar milhões de imigrantes e a reafirmação de que "existem apenas dois gêneros, masculino e feminino" revelam um projeto político que exclui e marginaliza. Enquanto King pregava a inclusão e o respeito à diversidade como pilares da justiça social, Trump propõe uma visão limitada de pertencimento, baseada em um ideal homogêneo e conservador de "americanidade".


A meritocracia como ferramenta de exclusão


Trump reiterou que sua administração seria guiada por princípios meritocráticos, afirmando que a sociedade americana deveria ser "baseada no mérito". A meritocracia, no entanto, é apresentada de forma descontextualizada, ignorando as barreiras estruturais que impedem muitos cidadãos – especialmente os de origem negra, hispânica e imigrante – de competir em condições iguais.


Martin Luther King Jr., em sua luta por justiça econômica e igualdade, denunciou as desigualdades sistêmicas que perpetuam a pobreza e a discriminação racial. Trump, ao ignorar essas realidades, reforça uma narrativa de responsabilização individual que pune aqueles que já enfrentaram dificuldades históricas, em vez de oferecer soluções estruturais para a inclusão.


O uso de Deus como instrumento de poder


Trump invocou Deus repetidamente, apresentando-se como um líder quase messiânico, salvo por um propósito divino para "tornar a América grande novamente". Ele citou diretamente um episódio em que, segundo ele, Deus teria salvado sua vida de uma tentativa de assassinato. Essa retórica, embora eficaz para mobilizar sua base conservadora, distorce a visão inclusiva de King, que via a religião como um chamado à ação coletiva em prol da justiça e da igualdade.


Enquanto King usava uma religião para unir e empoderar os marginalizados, Trump usava para legitimar uma visão nacionalista, excludente e autoritária. Essa instrumentalização de Deus não promove a inclusão, mas sim consolida a posição moral e cultural que Trump defende.


Contradições climáticas e a destruição da interdependência global


Outro ponto de dissonância é a exclusão de Trump aos acordos climáticos globais e ao seu compromisso com a exploração de combustíveis fósseis. Ele descreveu os recursos naturais americanos como "ouro líquido" e declarou que "perfuração" seria a base para tornar os EUA "uma nação rica novamente". Essa visão ignora a responsabilidade global compartilhada para combater as mudanças climáticas, uma questão que King, com sua abordagem interseccional, certamente teria sido reconhecida como fundamental para a justiça social.


Ao priorizar o lucro sobre a sustentabilidade, Trump reitera um paradigma de exploração que afeta desproporcionalmente comunidades marginalizadas, tanto nos EUA quanto globalmente. Em contraste, King via a luta pela justiça como inseparável da proteção de todos os aspectos que sustentam a vida humana.


Apropriação simbólica: uma cópia do sonho de King


A promessa de Trump de realizar o sonho de King é uma apropriação simbólica que contradiz tanto as palavras quanto as ações do líder dos direitos civis. King sonhava com uma América onde as pessoas não fossem julgadas pelo cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Ele defendeu a inclusão, a equidade e a justiça como fundamentos para uma sociedade verdadeiramente livre. Trump, no entanto, ao rejeitar avanços nas discussões de gênero, ao demonizar imigrantes e ao perpetuar desigualdades sob a máscara da meritocracia, subverte os valores de King.


Conclusão: retórica de unidade em um projeto de exclusão


O discurso de posse de Donald Trump em 2025 é uma peça complexa que tenta equilibrar promessas de unidade nacional com políticas que promovem exclusão e divisão. Ao invocar Martin Luther King Jr., Trump busca legitimar seu projeto político sob a sombra de um dos maiores líderes da justiça social. Contudo, suas palavras e ações revelam um abismo entre suas promessas e os princípios de King.


A filosofia nos ensina que palavras sem coerência com ações são vazias. Trump não apenas falha em honrar o legado de King, mas o distorce para se adequar a uma visão de mundo que privilegia alguns à custa de muitos. O sonho de King não pode ser realizado com exclusão, divisão e exclusão do progresso social. Ele permanece, como sempre, um chamado à luta por uma América verdadeiramente justa e inclusiva – algo que o discurso de Trump demonstra não estar em sua agenda.


Ivo Fernandes

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