Entre a Descrença e o Futuro
O desafio de educar no Brasil

Hoje chamei alguns alunos para conversar sobre suas trajetórias. Encontrei dois jovens que, como tantos outros, não possuem perspectiva de futuro. São alunos do 1° ano do ensino médio, negros, oriundos da escola pública, com notas baixas e dificuldades de aprendizagem que não nascem de limitações cognitivas, mas de condições sociais que os fizeram acreditar que “não são capazes”.
Um deles disse que seu sonho era ter uma moto para trabalhar como entregador; o outro, seguir os passos de parentes e viver de pequenos consertos elétricos. Nada há de indigno nesses projetos, mas o que estava em jogo em suas falas não era apenas a escolha por um caminho profissional, e sim a
descrença radical de que poderiam sonhar diferente. A universidade, certos setores de trabalho e até mesmo a ideia de um futuro mais amplo lhes parecem distantes, quase pertencentes a outro mundo.
Esse cenário revela a falácia do discurso da meritocracia. Não basta repetir que “quem quer, consegue”. Como já analisaram Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, a escola tende a reproduzir as desigualdades sociais, legitimando-as como se fossem frutos apenas de mérito ou esforço individual. A realidade é outra: esses meninos carregam, em seus corpos e histórias, marcas profundas de exclusão social, racial e econômica.
A educação, nesse contexto, não pode ser reduzida a uma mera transmissão de conteúdos ou preparação para provas. Ela deve ser também um
ato político, como lembrava Paulo Freire, capaz de desnaturalizar as condições que aprisionam esses jovens em destinos pré-traçados. Escutá-los, valorizar suas falas, reconhecer a dignidade de seus projetos de vida e, ao mesmo tempo, abrir horizontes que eles não conhecem é um ato de resistência pedagógica.
Meu primeiro gesto foi
valorizar as profissões que mencionaram, reconhecendo que toda forma de trabalho possui dignidade. O segundo foi
tentar retirar do discurso deles a autodepreciação, que é o sinal mais cruel da desigualdade: a naturalização da inferioridade. O terceiro foi
mostrar possibilidades, para que percebam que podem ousar desejar mais do que lhes foi imposto.
O desafio é imenso. Tudo conspira contra esses meninos. O Estado oferece benefícios ínfimos diante das necessidades reais, e o discurso meritocrático, repetido inclusive por professores, mascara as condições estruturais que perpetuam a desigualdade. Mas se, como educadores, não caímos na armadilha do mérito individual e nos colocamos ao lado deles — para escutar, apoiar, ampliar horizontes —, já estaremos realizando o verdadeiro papel da educação:
formar sujeitos capazes de pensar e existir para além das fronteiras que lhes foram impostas.
Ivo Fernandes